A partir da greve dos caminhoneiros, em maio deste ano, a malha rodoviária foi alvo de levantamento e revelou a precariedade das rodovias no país. No Rio Grande do Sul, enquanto as finanças públicas agonizam, a infraestrutura das estradas anda na contramão do desenvolvimento dos municípios. Um levantamento do Anuário da Confederação Nacional do Transporte (CNT) referente a 2017 apontou que o crescimento das rodovias não acompanha a demanda de infraestrutura para o escoamento da produção nem para o deslocamento de pessoas. A frota de veículos aumentou 194,1%, de 2001 para 2016, mas a malha viária continua problemas de qualidade, comprometendo a segurança. No ano passado, mais da metade dos trechos avaliados apresentou danos. Do total da malha avaliada, 1,7 milhão de km, apenas 12,2% (210.618,8 km) têm pavimento.
Na região central do Estado, outro agravante: ainda há várias cidades sem acesso asfáltico, que esperam há anos por pavimentação. Pelos menos oito municípios aguardam por décadas.
Conforme a CNT, o Rio Grande do Sul é o Estado mais dependente do modal rodoviário do Brasil, o que torna imprescindível prever obras de ampliação viária, recuperação, drenagem, sinalização e serviços de manutenção de trechos pavimentados com objetivo de também diminuir o potencial de acidentalidade, e por consequência, evitar mortos. Essas são questões que têm de estar na agenda do próximo governador.
Já a área urbana de Santa Maria, a obra em andamento da Travessia Urbana, embora um projeto federal, deve contar com a articulação do próximo governo, e a ERS-509 com promessa de conclusão neste ano poderá ficará para ano que vem, configurando mais uma responsabilidade com a região. E um dos maiores gargalos do que diz respeito à mobilidade urbana da cidade é centrado na RSC -287, que está em campanha para duplicação e devem inflamar entidades empresarias e população em geral até que seja viabilizada.
Com base nas pesquisas sobre os problemas que mais preocupam os brasileiros, até de 23 de setembro, o Diário segue com uma série abordando que temas aguardam os próximos governantes para Santa Maria e região, além do drama das contas públicas do Estado . Neste fim de semana, a quinta reportagem mostrará um panorama da infraestrutura.
No Estado
- Rodovias estaduais - 11.528,48 km, conforme a CNT
- Rodovias federais - 5.773,07 km, segundo a CNT
- Ferrovias - 3.259 km* de linhas e ramais ferroviários utilizados somente para o transporte de cargas, Se acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)
HÁ DÉCADAS, MUNICÍPIOS ESPERAM PAVIMENTAÇÃO
Ernesto Braida, 81 anos, era guri quando já andava em cima de carroças pela estrada denominada, hoje, ERS-516, em São Martinho da Serra. Na última terça-feira, enquanto dirigia um trator, o agricultor desabafou:
- Vou morrer e não vou ver isso aqui asfaltado. Já veio até verba. Todo mundo promete, mas esses políticos são todos iguais. Em épocas de campanha enchem de placa, depois esquecem da gente, aqui, do interior.
O trecho é mais uma das diversas estradas da região central do Estado na mesma situação: municípios que esperam por infraestrutura e creditam à pavimentação asfáltica o progresso de suas cidades. É que sem asfalto muitas empresas deixam de se instalar, bem como os produtos e fretes acabam encarecendo. A região, essencialmente agrícola, tem, em alguns desses trajetos, a principal via de escoamento da safra. Para o dia a dia da população, o acesso à educação, à saúde ou um simples deslocamento também sai prejudicado.
Enquanto o terreno das finanças públicas do Estado segue acidentado, a população sente no bolso e no cotidiano o abandono de suas estradas:
- Dirigi seis meses a ambulância e estou há três no ônibus. O que a gente faz em uma hora, poderia fazer em 30 minutos. Suspensão, pneus, tudo vai estragando rapidinho. Não há acostamento, tem buracos e falta sinalização. Com frequência, carros capotam por causa das pedras. No inverno, a cabeceira da ponte, que é de madeira, cai e tenho que voltar com o ônibus cheio de alunos - relata o motorista Anderson Cruz, 30 anos, que também dirige pela ERS-516 de segunda a sexta-feira.
Cidades como Pinhal Grande, Itacurubi, São João do Polêsine, Jari, Tupanciretã e Quevedos testemunham do mesmo drama. Assim como a pavimentação da ERS-348, em Ivorá. Em maio, completou 20 anos da assinatura da primeira ordem de serviço. Já em 17 de novembro de 2017, foi assinada outra ordem para início da obra que, segundo o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), não começou ainda por problemas técnicos. Deverão ser investidos R$ 14 milhões e o prazo de execução é de 24 meses. Já no trecho que leva ao distrito turístico de Vale Vêneto, a VRS-823, não há nem sequer previsão de um dia receber asfalto, conforme o Daer.
- Trabalhei a vida toda na roça. Plantava fumo, soja, feijão e vendia para as cooperativas de Júlio de Castilhos e de Nova Palma. Sempre morei por aqui e nunca vi mudar nada. As estradas sempre desse jeito, passando o mandato e a promessa de um para o outro. O município de Ivorá tem dificuldade de receber até uma entrega no mercado - conta Paulo Simonetti, 64 anos, que também é agricultor.
ASFALTAMENTO É CRITÉRIO NA ATRAÇÃO DE INVESTIMENTOS
Carlos Félix, doutor em Mobilidade Urbana do Departamento de Transportes do Centro de Tecnologia (CT) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), enfatiza que, nas duas últimas décadas, novos municípios se constituíram sem ter a perspectiva da ligação asfáltica, que, agora, e, por direito, pleiteiam:
- O desenvolvimento social e econômico dos municípios se embasa na forma de colonização, localização geográfica, recursos naturais, produção local, cultura e empreendedorismo. Mas nenhum deles se sobrepõe ao acesso pavimentado a outro ramal asfáltico ou a rodovias arteriais que interligam os grandes polos regionais. Este diferencial é critério principal na análise de captação de investimentos.
Félix defende, ainda, que a ligação viária com pavimentação prepondera na liberdade e na capacidade de deslocamentos de pessoas, bens e cargas, interferindo diretamente nos custos logísticos.
OITO MUNICÍPIOS DISTANTES DO ASFALTO
- Itacurubi -ERS -541 - São 25 km de chão batido para quem sai do município em direção a São Borja
- Ivorá - ERS-348 - São 18 km de Ivorá ao acesso de Faxinal do Soturno. O trecho, que deveria ser mantido pelo Estado, acaba na conta da prefeitura. Segundo o secretário de Obras de Ivorá, Jonas Zancan, em novembro de 2017, o Daer emitiu um documento autorizando a manutenção da estrada pelos municípios
- Jari - VRS -805 - Nos 24 km que chegam ao município de Toropi, alguns bueiros e sinalizações chegaram a ser instalados para receber, posteriormente, o asfalto. Mas a obra parou aí. A estrada foi até a prioridade apontada pelo orçamento participativo da cidade em mais de uma ocasião. Apesar do trecho ser largo, os desníveis atrapalham o tráfego. João Hohemberger de Oliveira, prefeito municipal, diz que a infraestrutura precária incide em prejuízos à população: - - Nosso polo de saúde é Santa Maria. Precisamos ir a consultas, hospitais e, há 20 anos, é a mesma coisa. O Estado diz que está endividado, que o problema é a falta recursos. Enquanto isso, ficamos aqui. O comércio e a economia também não se desenvolvem mais por não termos asfalto. Algumas empresas não querem nem fazer entregas aos nossos supermercados.
- Pinhal Grande - ERS -149 - Quem percorre os 32 km de Nova Palma para Pinhal Grande começa o tráfego pela estrada de chão, segue pelo asfalto, encontra mais trecho de chão e novamente chegaà pavimentação. No entorno de um cerro com curvas acentuadas e vários buracos pelo caminho, não há asfalto por "questões ambientais e por ser uma área de preservação", segundo o prefeito Luiz Antonio Burin. Outro pequeno trecho com apenas 3 km sem asfaltamento não foi viabilizado, pois a estrada passava por uma propriedade particular. À época do asfaltamento, a empreiteira acabou indo embora sem terminar o serviço. - Nosso asfalto completo ficou só na promessa. Muitas gestões e prefeitos da Quarta Colônia se reuniram, fizeram audiências para conseguir. Isso tem um custo para o município. Um adubo de fora acaba chegando mais caro e até o valor dos fretes aumentam por termos estrada de chão - relata ele.
- Quevedos - ERS -524 - Cerca de R$ 55 mil por mês é o que a prefeitura de Quevedos gasta para manutenção de uma parte da ERS-524, incluindo valor de combustível, maquinário e recursos humanos. Segundo a prefeita Neusa dos Santos Nickel, nem sempre o patrolamento e as cargas de cascalho são suficientes para amenizar os desníveis da via: - A gente que está na ponta do problema é que escuta. Fizemos o que dá, mas o asfalto virou promessa. Tentamos pela prefeitura, por deputados, mas troca governo e nada acontece. Aí nosso município fica sem atrativos. Que empresa, médico ou bons profissionais vão querer vir?
- São João do Polêsine - ERS -348 e VRS-82 - As duas estradas de chão batido estão com pedras soltas, mas não chegam a inviabilizar o fluxo de veículos. Na primeira, há cerca de 20 anos, ocorreu até licitaçaõ para instalação de galerias, mas o trabalho parou. A segunda é o principal acesso à rota turística do Distrito de Vale Vêneto. Ambos trechos são de responsabilidade do Estado, mas que precisam mensalmente da manutenção da prefeitura: - A empresa licitada quebrou, estão em renegociação com Estado e não há orçamento. Não temos esperança para ERS-348. Já o nosso cartão postal, que leva aos festivais de Vale Vêneto, também ficou só na promessa - lamenta o prefeito Sonego
- São Martinho da Serra - ERS-516 - Além de substituir os 17 km de estrada de chão por asfalto, o município tenta há décadas, a substituição de uma ponte de madeira por concreto. A estrada . que é bastante irregular, também é o principal acesso a Santa Maria para onde diariamente deslocam-se ônibus escolares, ambulâncias e demais veículos. - Foi anunciado o asfalto, mas nunca foram adiante. Toda população ficou na expectativa. Há 50 anos é assim. Nem a ponte que nos prometeram saiu. Quando chove, ficamos ilhados - conta o prefeito da cidade, Gilson de Almeida
- Tupanciretã - ERS -392 - O secretário de obras de Tupanciretã, Giovani Dalmaso, resume: "Quando não é barro, é poeira. Quando não é atoleiro, é buraco". Os 42 km de chão batido na popular "estrada de Santa Tecla" é, sem dúvida, a reivindicação mais antiga de Tupanciretã. - Existe um projeto, mas não evolui. Seria uma obra relativamente barata perto de outras, pois não temos córregos, nem pontes, nem passagem de trem. Sem falar que nossa produção agrícola depende desse trecho - diz Dalmaso.